CNJ julga compulsória de juiz por negociar venda de sentença no TRE do Pará

Nesta terça-feira, 27, o CNJ iniciou o julgamento da revisão disciplinar proposta em favor do juiz de Direito Raimundo Moisés Alves Flexa, do TJ/PA, condenado à aposentadoria compulsória por decisão unânime da Corte estadual.

O magistrado foi acusado de intermediar a negociação de uma decisão judicial no âmbito do TRE/PA, visando beneficiar o ex-prefeito de Santa Luzia do Pará, Adamor Aires.

A relatora do caso, conselheira Daiane Nogueira de Lira, votou pela manutenção da penalidade. Ela foi acompanhada pelo conselheiro Pablo Coutinho Barreto.

O julgamento foi suspenso por pedido de vista do conselheiro Rodrigo Badaró.

Entenda

Em 2021, o TJ/PA aplicou ao juiz Raimundo Flexa a sanção de aposentadoria compulsória, a mais severa prevista na esfera istrativa disciplinar da magistratura.

A punição teve como fundamento um PAD que apurou a participação do magistrado em tratativas ilícitas envolvendo decisão do TRE/PA.

As investigações foram deflagradas após a divulgação de áudios, em 2014, que sugeriam a negociação de propina para influenciar julgamento eleitoral.

Na época, os recursos de interesse de Adamor Aires tramitavam sob relatoria do juiz de Direito Marco Antônio Lobo Castelo Branco, que também foi investigado, mas acabou absolvido por falta de provas.

Um laudo pericial elaborado no curso do PAD confirmou que a voz atribuída ao interlocutor nos áudios pertencia ao juiz Raimundo Flexa – elemento considerado determinante para a decisão do TJ/PA. A sindicância que embasou o processo foi instaurada pela Corregedoria do TJ/PA em 2019, com base em denúncias anônimas e materiais veiculados na imprensa local.

Com a punição já imposta pela instância estadual, o CNJ analisa agora se mantém, revoga ou modifica a sanção disciplinar, à luz de eventual ilegalidade processual ou de novos elementos probatórios.

MPF

Em sustentação oral, o subprocurador-geral da República, José Adonis Callou de Sá, opinou pela improcedência da revisão disciplinar. Ele defendeu a legalidade da apuração e a adequação da pena imposta.

Segundo o membro do MPF, a gravação utilizada como prova revelou tentativa clara de interferência em julgamento eleitoral: Flexa teria prometido a um político interceder junto a colega que atuava como relator no TRE/PA. “A sanção é proporcional à gravidade dos fatos”, afirmou.

Adonis rebateu argumentos da defesa, como a origem anônima da denúncia, a alegada quebra da cadeia de custódia e o arquivamento da investigação criminal pelo MP estadual. Ressaltou que a jurisprudência do STF e do CNJ ite investigações iniciadas por denúncia anônima, desde que acompanhadas de início razoável de prova, o que, segundo ele, ocorreu no caso.

Sobre a cadeia de custódia, observou que a gravação é anterior à entrada em vigor da norma legal que disciplina o tema, introduzida apenas em 2019. Quanto ao arquivamento criminal, frisou que a responsabilidade disciplinar é autônoma em relação à esfera penal.

Por fim, defendeu a validade da perícia que identificou a voz de Flexa, a partir de áudios públicos extraídos de sessões do Tribunal do Júri. “A jurisprudência do Supremo reconhece a legitimidade do uso de padrões vocais extraídos de fontes íveis ao público”, concluiu.

Defesa

O advogado Roberto Lauria, que atua na defesa do magistrado, alegou nulidades processuais e cerceamento de defesa durante a tramitação do PAD.

Segundo ele, o áudio inicial que embasou a sindicância continha “edições grosseiras” e foi descartado após perícia identificar mais de 20 cortes. Posteriormente, um novo CD, entregue anonimamente, foi anexado ao processo – também sem comprovação de autenticidade digital por meio de código hash, segundo a defesa.

“O processo tratou prova digital como se fosse analógica”, criticou Lauria. Ele argumentou que a prova analisada era mera cópia, sem garantias técnicas de integridade.

O defensor também apontou irregularidades no trâmite do PAD: o julgamento foi convertido em diligência para realização de nova perícia vocal com base em gravações de audiências públicas, mas a defesa não pôde apresentar quesitos, ouvir peritos ou realizar contraprova.

“A única prova que embasou a condenação foi essa perícia – e ela não foi contraditada”, afirmou. Para Lauria, o acórdão do TJ/PA deve ser anulado para que a defesa possa exercer plenamente o contraditório.

Voto da relatora

A conselheira Daiane Nogueira de Lira, relatora do caso, rejeitou todas as preliminares e alegações da defesa.

Em voto extenso, defendeu a regularidade do PAD e a validade das provas produzidas.

Segundo a relatora, não há nulidade na utilização de gravações anônimas quando há diligências subsequentes que atestem sua veracidade – como ocorreu no caso, com a realização de perícia conclusiva. O laudo oficial, frisou, indicou que a voz nas gravações “foi produzida pelo mesmo indivíduo” cujas falas foram extraídas de vídeos públicos de audiências presididas por Flexa.

Ela também afastou a tese de cerceamento de defesa, apontando que a parte teve o aos autos, pôde se manifestar sobre o laudo pericial e juntou contraperícia particular – ainda que esta não tenha afastado os elementos probatórios produzidos de forma oficial. O TJ/PA, segundo a relatora, deu ampla oportunidade ao exercício do contraditório.

Daiane destacou, ainda, que a jurisprudência do STF e do STJ ite gravações realizadas por um dos interlocutores, mesmo sem ciência do outro, quando servem à apuração de ilícitos graves.

Por fim, manteve a pena de aposentadoria compulsória e determinou o envio dos autos ao Ministério Público para eventual responsabilização penal do magistrado.

Fonte: Migalhas Jurídicas 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *